quinta-feira, 27 de setembro de 2012

VOCÊ ESTÁ AJUDANDO A ENTERRAR O HATHA YOGA?


 
 Afirma-se em alguns círculos de Yoga que o Hatha seria um método incompleto, incapaz de conduzir seus praticantes ao estado de iluminação, por utilizar apenas técnicas limitadas como a prática física (ásana) ou os exercícios respiratórios (pranayama). Há estudiosos e mestres de outras linhas que apresentam o Hatha como o mais básico e "materialista" dos Yogas existentes.

      De fato, existem muitas deformações e até caricaturizações desta ciência sagrada, fruto de ensinamentos descontextualizados e sem uma conexão direta com a corrente tradicional da Índia de hoje. Essas deturpações, fruto do despreparo de alguns, da popularização e até da banalização do Yoga em certos contextos, ocultam a verdadeira face desta disciplina.

      O Hatha Yoga, chamado igualmente Hathavidya (ciência do Hatha), é um ramo da soteriologia indiana. A palavra soteriologia deriva do grego, soterios, que significa salvação. Não está falando-se aqui de salvação no sentido religioso, de vida além da vida, ou de conquistar algum paraíso. Salvação, no contexto do Yoga, significa realização espiritual, libertação dos condicionamentos.

      Portanto, o Hatha Yoga é um sistema técnico que tem como propósito dar ao praticante a experiência da liberdade plena. Liberdade dos condicionamentos, da escravidão sensorial, das misérias existenciais, dos karmas passados, entre outros.

      Existem muitos termos sânscritos para definir esse estado, que é ao mesmo tempo o objetivo do Yoga: nirvana, moksha, samadhi, kaivalya, etc. Da mesma forma, existem muitos meios diferentes para realizar essa meta, assim como muitas visões diferentes sobre os caminhos a serem percorridos. O Hatha Yoga é um desses caminos.

      A proposta que o Hatha Yoga nos faz é que seria desejável a gente dedicar boa parte dos nossos esforços à realização da mais importante das tarefas. Essa tarefa é tríplice:

      1) Em primeiro lugar, o Hatha Yoga propõe o desenvolvimento de uma apreciação ética da existência e de uma vida de virtude, orientada para o desenvolvimento e a auto-descoberta interior.

      2) Em segundo lugar, o Hatha Yoga nos propõe o cultivo da saúde psicofísica em seu sentido mais amplo.

      3) Finalmente, como objetivo mais importante (muito embora não exclua os anteriores), o Hatha Yoga busca a realização do potencial espiritual do praticante, o estado de moksha.

      Portanto, o Hatha Yoga vai muito além dos seus aspectos visíveis, como os execícios de alongamento, força e flexibilidade, que são os mais conhecidos e populares hoje em dia.

       Atualmente, em parte graças à crescente popularização do Yoga, em parte devido a uma silenciosa campanha de manipulação dos meios de comunicação que tem o objetivo de confundir Yoga com ginástica, a palavra Hatha, assim como a própria palavra Yoga, é sinônima de exercício físico não muito forte, adequado para combater o estresse e outras mazelas da vida nas cidades.

      Quando a revista Veja publicou uma matéria intitulada "Ioga vira malhação" (maio de 2003), prestou um desserviço lamentável a seus leitores, pois confundiu ao invés de informar. Essa situação acontece porque o background filosófico desta antiga disciplina é freqüentemente negligenciado, ignorado, esquecido ou simplificado.



      O Hatha faz parte de uma corrente cultural ininterrompida, que tem suas raízes na Índia vêdica e que postula uma visão do ser humano no qual este faz parte de uma rede sutil e invisível que secretamente determina as formas do mundo manifestado.

      Essa rede, invisível e onipresente, chama-se prana. A palavra prana significa vida, ar, alento vital, respiração, e define o campo da consciência-energia. Esse campo da consciência-energia está presente tanto no macrocosmos quanto no plano humano e no microcosmos.

      O Hatha estuda os aspectos dessa rede sutil dentro do homem (como os princípios sutis chamados nadis, chakras, pranas, kundalini, etc), e ainda suas interrelações com a natureza e as outras formas de consciência presentes na criação.

      Nesse sentido, o Hatha não está separado nem é diferente de outros métodos como Kundalini, Laya, Mantra ou Raja Yoga, etc. Todas essas formas de Yoga (e muitas outras não mencionadas), se entremeam e interpenetram num grau tão profundo que é quase impossível diferenciá-las.

      Por exemplo, os mantras, entendidos como náda (vibração super-sutil), são intrínsecos ao Hatha, assim como o pranayama é essencial nas práticas de Kundalini Yoga.

      Portanto, faríamos muito bem em parar de falar no Hatha como "Yoga físico" apenas, e passar a apreciá-lo em seu devido contexto. De outra forma, repetindo os erros de visão e interpretação esgrimidos pela mídia, estaremos apenas contribuíndo para sepultar o Yoga na vala comum da comercialização e da banalização.

Autor: Pedro Kupfer

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